A VISITA

A VISITA
Foto: Núbia Rodrigues

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

CRÔNICA - O ANIVERSARIANTE


E chegou o fim do ano e antes que o novo inicie é preciso por a mão na consciência do bolso. E sempre damos um jeitinho de não ficar fora dessa. As festas são tão bonitas. As cores encantadoras, e as propagandas de TVs enchem os olhos e a imaginação.
O Natal chega primeiro. Nascimento de Jesus. Celebremos, oh, irmão, e viva o cartão de crédito! E viva as compras a prazo e vivas os shopping Center. E viva os supermercados. Jesus espera sua hora pra ser vívido também. Porque agora, tão preocupados com a ceia da meia noite, com a sandália prateada, com o terno azul marinho, os presentes das crianças, os convites dos parentes, as passagens de avião é impossível dar tempo de lembra o porquê de existir uma data tão distinta das outras datas do ano. Pensemos nisso depois.
E Jesus, morto na cruz, vai ficar lá esperando. Mas depois, de pança cheia. Com sandália pra tirar, e com casa pra limpar, e com comida sobrando que tem que jogar no lixo, parentes que já esgotaram todo o saco de paciência que o Papai Noel nos trouxe, o melhor mesmo que se faça é descansar. Natal é data estressante. Tanta coisa pra fazer, organizar e comer que depois ninguém nem lembra do pobre lá pendurado  com espinhos na cabeça.
E mais uma vez se passa o dito aniversário só ele não comemora porque não foi convidado a penetrar nas casas e nos corações humanos. A cear bolos de paz e docinhos de esperança. Ele não sopra as velinhas e não ouve parabéns. A razão virou do avesso e o próprio aniversariante fica de fora da festa.

sábado, 8 de outubro de 2011

Os pés

Tenho uma pedra no sapato
descalço
ela me entra no calcanhar.
Tirar o lacre como
quem tira palavras da boca
como quem arranca palavras da boca
com um alicate
que vai no fundo da garganta
e a palavra, ainda prematura,
salta
assustada.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011


Hoje quero ficar ausente
sem preguiça, medo ou silêncio
sem pensamento
canetas
sem tempo
sem dar resposta ao vento
sem ironia
sem poemas
vazia.

Em mim há sempre uma palavra reprimida
Sem som, eco ou sombra
Que não exprime gozo nem a dor
Que não é dita nem mesmo no escuro
Mas fere minha alma com seu silêncio
Em sua ausência de sentido me consumo
Me rasgo o corpo e sangro e esgoto
Quando me salta dos olhos, num espanto.

ESCOLHAS ERRADAS


Saio às ruas como quem usasse roupas pelo avesso
Meus passos ecoam com o som dos meus sapatos
Sinto-me nua, como quem chegasse ao fim no começo
Tudo me fere
A mais leve brisa me rasga a pele
E escorro gota a gota.
Na madrugada, vejo frestas pelas portas semi-fechadas
Listras brancas pelas ruas indicam partida
Você distante
Você sempre fora do alcance
Como um signo sem tradução
Te pronuncio
Você cala
Como um corpo fechado que dos meus olhos não reage
Ao toque de minhas mãos não cede
Não dilui ao meu contato.
Sua boca me convida e me nega
Você me invade
Com seu corpo
Seu sotaque
Sua tatuagem nas costas
Miro em você meu mais suave desejo
Vejo você nos desenhos dos copos
Beijo sua boca nas vidraças
Me embriago do seu sabor a cada gole
Enlouqueço
Saio pelas ruas por onde antes andava
Grito, danço, suo,
chuva molha minha face
Minha elasticidade congela ao contato das gotas que como punhal me tocam.
Você viaja
Você vaidade
Invade meu quarto com seus mil horizontes
Posta fotos em meu mural
Espalha meus discos
Rouba meus poemas
Me deixa mensagens
Você ironia
Suas roupas de brechó
Seu cigarro
Sua risada
Provoca em mim asco, tesão, calor, medo
Ciúmes, inveja,
ódio,
ódio,
amor, amor, amor
Tudo é desejo
E lágrima
E beijos que não te dei.

INFÂNCIA

Eu tinha medo da noite
mas amava as estrelas.
(in Morte Secreta)