A VISITA

A VISITA
Foto: Núbia Rodrigues

domingo, 18 de abril de 2010

CONTO - O Enigmático Senhor André



Vivia numa cidade cheirando a mato e asfalto. Trabalhava numa repartição pública pouco visitada e cheia de arquivo morto. A 1 hora da tarde ia para casa, tirava o paletó surrado, afrouxava a gravata, media a barriga, e sentava-se para almoçar. Nem beijava a mulher. Filhos não tinha, problemas nos testículos, caiu de um cavalo quando era criança, brincava que esta ainda era a melhor recordação que tinha da fazenda onde seus pais moravam. Trabalhara como burro de carga até os 13 anos, quando foi para casa de uma tia na cidade estudar. Ao terminar o colégio, passou no concurso da prefeitura, conheceu uma mocinha tímida vinda lá do sítio e se casou.
 A mulher era dona de casa. Magra, com uma cara de quem não tinha filhos. Mas tinha. Ela havia tido um menino aos 12 anos, ficara no sítio com o pai. A localidade era perto da cidade. O jovem ia à casa da mãe de vez em quando, mas dava pouca atenção.
 O senhor André sempre implicara muito com isso. Depois do almoço, logo perguntava se o rapaz havia ido visitá-la naquele dia. Pitava um cigarro fedorento todos os dias às três horas da tarde, costumava repetir frases de Fernando Pessoa e tragava a fumaça com prazer.
A convivência com a mulher era incômoda. Os dois se falavam como estranhos. De sexo eles nem mais se lembravam... A idade. Os anos de convivência fez com que a intimidade se transformasse numa coisa muito diversa. A nudez era escassa. Depois de certo tempo, a mulher morria de vergonha de ficar nua na frente do marido. E ele pouco se importava. Sexo só servia para os jovens fazer filhos, como isso ele não podia fazer, perdeu-se a importância.
Mas possuía um segredo, coisa rara naquela cidade de fofoqueiros. Dentro de um quarto pequeno nos fundos da casa, que só ele tinha a chave, ele se enfiava todas as noites, e ficava horas sem querer ser incomodado. A mulher já se acostumara, afinal, eram anos vendo o marido repetir o mesmo ato todos os dias.
Na madrugada, ele ia para cama dormir.
Pela manhã, acordava cedo. A vida de funcionário público era pacata, porém tinha seu preço. Ele ia para o trabalho à pé, logo que era perto de casa e a renda apertada nunca lhe permitira comprar um carro. Se chovesse, ele pegava o guarda-chuva que ficava dependurando na estante de madeira velha no meio da sala. Nunca faltava ao trabalho. Era o seu ritual. Final de semana, ele passava todo o tempo trancado no quarto, saboreando seus mistérios. 
Numa manhã cinzenta a mulher percebeu a falta do marido na cama. Pouco ligou, virou-se para o lado na oportunidade de pelo menos uma vez na vida dormir até mais tarde. Não dormiu. Pensou muitas coisas, ele nunca havia ficado fora da cama a noite toda. Não era preocupação, era só o que havia notado. Não sabia bem o que sentia pelo marido, sabia o que queria que ele sentisse por ela. No fundo, sonhava em ser amada como as mulheres das telenovelas. Cansou de ficar deitada, já que o sono não vinha. Levantou. Antes mesmo de tomar café, dirigiu-se até a porta do quarto secreto, percebeu que estava entreaberta. Os olhos brilharam... Nunca a curiosidade havia lhe embriagado de tal forma, era a chance de sua vida de descobrir o que tirava o sono do seu homem e o impedia de amá-la com toda a plenitude que ela desejava. Entrou. Estava diante dos olhos o segredo que a impedira toda a vida de ser a mulher mais feliz do mundo. Olhou para o chão, o senhor André jazia morto. Sem chances para celebração.

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