A VISITA

A VISITA
Foto: Núbia Rodrigues

domingo, 18 de abril de 2010

PERFIL - Sobretudo, feliz



Quantos anos você tem? Ela baixa os olhos com olhar de tristeza, pensa um segundo, dá um sorriso tímido e responde: “Eu não sei direito. O Zé diz que é 44, mas eu acho que é 43”. Fazer essa pergunta à Ione Tizzi dos Santos é constrangê-la. – Zé é o marido, José Lopes Silva, 58 anos. - Eles são casados há quase 26 anos. Ela tem cabelos castanhos claros e é baixa. A barriga avantajada parece incomodar. Tímida diante da câmera fotográfica, agita as mãos. Atenta a cada pergunta, que responde com insegurança.
Ione deu à luz a cinco crianças, dessas, apenas três sobrevivem. Todas deficientes. A primeira, Eunice, morreu aos três anos e meio. “Ela ainda nem sentava”. - Pausa para um choro que ela enxuga com a blusa enquanto mostra a fotografia da menina dentro do caixão. - A segunda filha, Ivone, tem hoje 24 anos. O terceiro morreu aos dois meses, antes mesmo que ser registrado. Tinha uma deficiência na perna. O quarto, Edvaldo, tem 21 anos, e a última, Jéssica, mais ou menos 18 anos. Os pais mal sabem a idade da filha. Todos possuem um tipo de deficiência mental.
Ivone é sempre quieta. Toma remédio controlado - Gardenal. Fica a maior parte do tempo pensando, olhando para o horizonte. Amorosa, basta olhar para ela para receber um sorriso singelo. Mas também tem seus momentos de nervosismo. “Não se pode pisar no calo dela”, diz a mãe.
Edvaldo, ou Valdo, como é chamado, é o mais intempestivo. Reclama o tempo todo e fala muitos palavrões. Tem o hábito de levantar o cós do short até o estomago, como se fosse cair. Jéssica é tímida no início, depois começa a se soltar. Quando se acostuma com a visita, se torna espevitada e curiosa. Os três estudam numa escola de ensino especial - Apae – e estão aprendendo a ler e a escrever.
Emotiva, Ione mistura o pranto ao riso ao falar de sua própria vida. Quando sorri, percebe-se a falta de dentes. Chora ao falar que o maior drama de sua vida atualmente é o problema com a prótese dentária, com a qual não consegue se acostumar.
Nasceu em 1965, mas se perguntar em que cidade, ela não sabe responder. Na certidão de nascimento consta Terra Nova do Oeste, São Paulo. Dos sete irmãos, ela é a segunda. Não guarda muitas lembranças da infância. Recorda apenas que sofreu e sempre trabalhou na roça. Foi bóia-fria. Aos 13 anos, morou no Paraná, não sabe em qual cidade, mas lembra que havia uma escola, há uns 300 metros de casa. Porém, a mãe não a deixou estudar. “Acho que só eu fiquei assim. Minha irmã caçula escreve até carta.”, diz, lastimando o analfabetismo.
Aos 18 anos, morando no Mato Grosso do Sul, conheceu José, com quem se casou e mudou para Vilhena, Rondônia. A partir daí perdeu contato com a família. Não sabe se os pais ainda estão vivos, como é a vida dos irmãos, quantos sobrinhos têm ou onde moram. Ela sonha um dia poder reencontrá-los. “Faz tempo recebi uma carta da minha irmã, e nunca mais tive notícias.”. Aponta para a fotografia antiga, na qual aparece ao lado dos irmãos.
Ao vir para Vilhena, passou a ser dona de casa, enquanto o marido trabalhava como operador de máquinas. Morou em Colorado do Oeste, mas o pior lugar em que já morou, conta, foi num Sítio em Comodoro, no Mato Grosso. “Lá era muito difícil. A gente vivia quase isolado, não dava pra ir pra cidade. Sem contar os problemas com água e bicheira que pegou nos meninos.”
De Comodoro, a família retornou para Vilhena em 2004. Moram numa chácara onde cultivam milho, feijão e criam peixes. Ione se considera uma pessoa feliz, no entanto, sua vida não é fácil. Ela vive uma vida de incertezas. A memória está confusa e ela sabe muito pouco de si. Com o marido, luta para aposentar todos os filhos. “Se eu e o Zé faltar pra eles, pelo menos terão como se virar”.
Ione é também esperança. Hoje, conta, que para ser uma mulher mais feliz, precisa resolver o problema da prótese dentária. Extraiu todos os dentes, em 2006, e não se adapta à dentadura. “Vou escrever um e-mail para o programa do Gugu, quem sabe ele me ajuda a fazer um implante”. Conta que a filha caçula é fã do apresentador de TV.
À tarde, os filhos vão para a escola. Para passar o tempo, depois dos afazeres domésticos, Ione se dedica a cultivar flores. A chácara onde mora é repleta delas, o que dá ao lugar um ar charmoso. Na cozinha é desajeitada. Mas mantém tudo sempre bem organizado.
Perguntada sobre seus sonhos e projetos para o futuro, de novo, ela baixa os olhos, dá um sorriso tímido. E diz: “Ah, essa pergunta é difícil. Eu não sei, não”.
Foto: Núbia Rodrigues

2 comentários:

  1. Núbia, vi o link do seu blog de alguém... e comecei a ler a história da dona Ione. Tive que sair e disse pra mim mesma que voltaria, mas esqueci.
    Agora estava olhando a lista dos seguidores no meu blog e vi você lá! Desculpe não tê-la notado antes, mas tinha viajado, hehe.
    Adorei poder continuar o texto, você escreveu a vida simples e comum da dona Ione de forma maravilhosa, tornando-a especial.
    Agora eu conheço a dona Ione e sei um pouquinho da sua história.
    Ótimo texto, Núbia :)

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  2. Núbia, tive a honra de ver sua apresentação sobre o perfil da D. Ione, e particularmente foi uns do que mais gostei. A história de vida que cerca esta mulher é de levar qualquer um a repensar nos próprios conceitos, e agir, em vez de reclamar da vida, que por sinal é maravilhosa. Parabéns! Você sabe que já sou um velho apaixonado pelos seus textos.

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