A VISITA

A VISITA
Foto: Núbia Rodrigues

domingo, 18 de abril de 2010

APRECIAÇÃO - Sob lábios murchos, gengivas vazias



E como se alguém recitasse “Dentaduras Duplas” aos meus ouvidos.
Rememorei o poema que Carlos Drummond de Andrade publicou na obra Sentimentos do Mundo, em 1940, enquanto ela falava de sua vida desdentada.
Dentaduras duplas:
dai-me enfim a calma
que Bilac não teve
para envelhecer.

Embora ela não seja tão velha – logo que o poema trata da velhice – vi-a transcrita, sem tanta ironia como atribui o poeta ao tema, mas com toda a tragicidade que um grego daria à situação. E, enquanto descrevia a dramática autobiografia, chorava de vergonha e total impotência sobre si mesma.
Não é cartão de visita de novela das 8. Nem sonhos que a escola e a igreja e a sociedade nos pregam. Não está nos livros de histórias infantis.
É a realidade nua e crua, e estava lá, diante dos olhos. E como ela assusta. A automutilação e “todos os dentes extraídos sem dor.” E o eterno abandono da boca.
Despertou-me.
Eu, que pensava um mundo liberto de problemas tão antigos, tão precários.
Despertou-me. Porque, entre livros e teorias, intelectuais não conseguem enxergar sob lábios murchos, gengivas vazias.
Despertou-me. Porque em seus gabinetes, políticos não compreendem a necessidade de gengivas que morder sem saber morder. De beijos que beijam sem saber beijar. De risos que se escondem por vergonha de mostrar o que não há.
Mas, diante desse despertar, revelou-se em mim, a minha estranheza diante de um fato cruel, porém inevitável: a máquina humana em putrefação. Percebo, em mim, um distanciamento que se soma ao asco, frutos da incompreensão.
Que pensar em presença da miserável condição humana diante do mundo, diante do próprio corpo? Nem a arte, nem o dinheiro, nem a filosofia são capazes de fazer compreender, no intimo do ser, a implacável decomposição em vida.

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